Uma sociedade democrática, livre, fraterna e solidária é algo no mínimo fantástico, e para que essa ideia se ponha em prática é necessário que cada um dos indivíduos que a compõem se dediquem à tarefa, muitas vezes ingrata e utópica, de a fazer ser aquilo que apenas o é em potência. Uma sociedade é muito mais do que um espaço e um tempo nos quais estamos e vivemos, é um estado de espírito. O todo é mais do que as partes que o compõem. Nós somos muito mais do que rodas dentadas num mecanismo gigante que se quer operante, mas para que o seja, e é claro que existe esse nível primário de consciencialização, ainda que pareça mera abstracção, todos temos de trabalhar para o mesmo objectivo último e comum: a funcionalidade. Não é só coincidência que esta palavra rime com felicidade, acreditem. Se pensarmos numa pessoa capaz de ser feliz, teremos de conceptualizar alguém provido de todos os sentidos, munido de inteligência, dotado de livre-arbítrio, mas também alguém que se enquadre e encaixe no panorama geral que é a sociedade, pois para sermos saudáveis fisiologicamente o nosso corpo e os órgãos que o compõem têm de funcionar como um mecanismo perfeito, mas também para sermos funcionais temos de estar física e psicologicamente sãos, esta é a base e o ponto de partida para a chegada a um possível e muito desejado estado de felicidade. No que diz respeito ao livre-arbítrio, muitos já tentaram descrever o que será esta estranha característica que nos distingue, desde filósofos clássicos e modernos, passando por escritores, compositores, músicos e uma infinidade de anónimos pensadores, mas é algo de tal forma tão subjectivo quanto objectivo. Não se sabe bem o que é e nem todos sabemos bem o que fazer com tal coisa, e uns aplicam-no arrogantemente, outros ingenuamente, mas é sem dúvida algo que nos qualifica enquanto seres humanos e de uma maneira geral todos nós exercemos esse direito que nos assiste. Como não vivemos numa anarquia (já ou ainda!?) e sim numa democracia pluralista e representativa que se baseia no sufrágio universal, todos temos o direito e o dever de votar em consciência sempre que nos é pedido e permitido, e o referendo do próximo dia 11 de Fevereiro não é excepção.
Tenho assistido a muita gente regurgitar todo o tipo de disparates e despropósitos, mas também tenho apreendido opiniões inteligentes e extremamente lúcidas. De entre muita coisa, há duas que são factos incontornáveis: ninguém é a favor do aborto e uma vida é vida desde o momento em que é gerada. Tudo bem, acho que ninguém contesta, mesmo os idiotas que afirmam categoricamente que os defensores do sim estarão a possibilitar um irreversível abrir de portas a um crescente e exponencial sem número de futuros abortos, mas acontece que os abortos já se fazem, com ou sem controle e com ou sem monitorização, mas vamos a factos (por tópicos):
- já se fazem abortos
- não há uma mulher que seja, que não sofra psicologicamente com a ideia, o acto e a consequência de um aborto
- existe uma lei que permite haver abortos sob vigilância médica para situações muito especiais (violações, etc.)
- esta lei não é cumprida
- existe a prática de abortos clandestinos
- há quem ganhe rios de dinheiros com isso
- muitas mulheres que fazem abortos clandestinos sofrem fisicamente, podem ficar sem a capacidade de ter filhos e até se sujeitam a morrer na altura ou com as complicações que daí podem advir
- muitas mulheres que fazem abortos clandestinos acabam por se ver apanhadas nas malhas da justiça, presas e julgadas como criminosas
- o aborto é considerado crime, não por uma questão ética ou moral, mas pura e simplesmente porque existe uma lei que assim o aprecia
Como referi anteriormente, não se põe em causa que um feto seja uma vida, que seja capaz de aprender ou registar sensações (sensações e não emoções), mas não é ainda um ser humano no verdadeiro sentido do termo. É um ser, sem dúvida, uma vida, mas…
- não é mais importante do que os seus pais
- não é obrigatório que venha ao mundo se estiver destinado a sofrer de uma doença ou de privações porque os seus progenitores ou a sua família não têm as mínimas condições de sustentabilidade
- ou que seja filho de alguém que leva uma vida desastrada ligada à prostituição ou a drogas
…entre alguns outros exemplos, não muitos, mas alguns. O que verdadeiramente interessa mudar é a forma como se tratam as mulheres que se submetem a abortos, porque vamos ser francos e honestos, sempre se fizeram e sempre se farão abortos, não há lei, referendo ou opinião que alguma vez venha a mudar isso, e de certa forma, se o sim vencer, será muito mais fácil controlar quem comummente utiliza o aborto como forma de contracepção. Porque também haverá quem o faça com esse propósito e de facto não está certo. Além de se alterar ou fazer uma nova lei, há que mudar as mentalidades e a forma como se encara o planeamento familiar, e se isto tiver de ser imposto, pois que se faça também uma lei nesse sentido. E já agora, uma vez que a natalidade é uma questão tão importante dos tempos que correm e nas sociedades ditas modernas, que se faça uma lei para ajudar quem quer ter filhos e não tem possibilidade de os ter fisiológica e financeiramente.
Sinceramente, para todas as regras há excepções e são elas mesmas que confirmam a própria regra, mas parece que é maior e mais significativo o desvio do que a normalidade, e é por tudo isto e muito mais que eu digo não ao aborto mas SIM à sua despenalização.
4 comentários:
De facto é pena os movimentos do lado do NÃO estarem nas mãos de gente fanática, enquanto que os movimentos do SIM estão nas mãos de gente militante. Parecendo que não, há uma diferença e não é assim tão subtil. ;)
"Yes is the answer, and you know that for sure..."
Verde cita Lennon, em Mind Games
Conceito de vida como imposição por conceito aprisionado de fé é coisa em que não acredito.
A concepção diz-se sagrada, mas biologicamente é apenas uma fase natural do ciclo de vida de cada um (fêmea após acoplação com macho, neste caso especifico), e sendo esta a vida de cada pessoa, essa sim deverá ter como supremo e livre direito o que pretende fazer com a sua vida, e consequentemente com o seu corpo.
Reparo que muita gente se concentra no Não ao aborto, eu sou a Favor do SIM, deviam eram todos preocupar-se com o não à obesidade, o não à ganância, o não aos lobbies, esses sim, factos que matam muita gente!! e sendo assim, contrários ao que proclama a própria religião, mas movimentos tal nunca vi ou ouvi e temo nunca irei testemunhar...
Sim eu voto sim!
gostei de ler o teu comentário JT, é mesmo assim!
Há tanta coisa que vai marcando de forma indelével o nosso dia-a-dia para pior e ninguém dá por isso, ou pior, dão e não fazem puto. Isso é que é insultuoso para gente que tem o direito a ter opinião e a fazer o que bem entente... mas se assim é, é porque entende não fazer nada quando sabe bem o que se faz, e isso, além de insultuoso, é vergonhoso!
Depois do movimento "Alguém que fuzile a Floribella", porque não um movimento de cidadania e abrição da pestana para o que se passa à nossa volta? Acho muito bem! Vamos lá!!
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