Porque é que somos consumidos por uma súbita e incontrolável vontade de nos esticarmos quando terminamos de ver um filme, ainda meio refastelados no sofá ou mesmo relativamente desconfortáveis na cadeira do cinema? Porque é que somos afligidos pela ingovernável necessidade de semi-cerrar os olhos e abrirmos a totalidade da boca quando estamos envolvidos numa conversa que, muito embora não nos desagrade totalmente, quer pelo conteúdo quer pelo seu locutor, naquele preciso momento, situação ou local, não nos está a interessar assim tanto e nos vemos confrontados com a inevitabilidade de tal acontecer e até de forma repetida e exponencial em número de ocorrências pontuais? Porque é que nos jantares de família, em que a mesa está sobrelotada ao ponto de ser preciso usar alternadamente, à vez, de forma ordenada e por fila, organizada horizontal e longitudinalmente de acordo com a estrutura da mesa, no preciso instante em que o torpor pós-prandial se instala no nosso sistema, nos aparece a vontade de esticarmos as pernas para a frente e os braços para os lados, num fatal e quase irrefreável espreguiçar? O poder da preguiça é algo que se mantém abaixo da tona de água no que a estudos científicos e censo comum dizem respeito. Mas é pena, porque é das melhores coisas que podemos fazer e não reconheço que se apresente como falta de respeito, seja em que situação for. Pior do que um saudável e simpático espreguiçar durante uma reunião de negócios, uma peça de teatro ou num funeral, é haver toda uma série de caricatas e bizarras situações que muitas vezes vêm a luz do dia ou sentem o ar da noite, na pele das mais incautas e menos presumíveis personagens… qualquer um de nós! Uma série de bufas tranquila num final de dia quando voltamos para casa, tendo a certeza de que ninguém mais vai entrar no carro até ao outro dia de manhã e acabamos sendo “obrigados” a dar boleia àquela amiga gira e interessante que se cruzou connosco na passadeira, com a qual nunca tivemos disponibilidade para passar tempo de qualidade com ela porque está sempre gente à nossa volta quando estamos juntos; um arroto deselegantemente que sai no meio da frase “estou convicto de que não se arrependerão de me contratar” numa trágica entrevista de emprego; um incontornável ataque de soluços, quase comparável a um ataque epiléptico, mas que dura bem mais que isso, num primeiro encontro com aquela que esperávamos secretamente poder vir a tornar-se a nossa companhia de muitos anos futuros; uma explosão de contentamento num elevador, apenas comparável a uma dança tribal africana em modo 45 rotações, depois de recebida aquela fantástica notícia, quando não supúnhamos estar a ser filmados e vistos por mais de trinta pessoas no lobby daquele edifício e estarmos a descer; toda uma série de situações, mais ou menos cómicas, mas todas elas passíveis de acontecerem. Não há que ter vergonha de se ser genuinamente espontâneo e daquilo que é, de facto, natural para todos nós. Os nosso corpos têm a tendência para nos trocar as voltas e muitas vezes decidirem agir sem o nosso consentimento, mas isso não tem que ser visto como uma afronta. Melhor do que não ligar, fingir que não se passou ou declinar com toda a veemência toda e qualquer responsabilidade no ocorrido, é deixar que aconteça o que tem que acontecer e rir com vontade e à vontade. Rir e fazer rir, mesmo com funções corporais, é do melhor que há.
...ahh, e perdoem-me a referência ao slogan daquela água, mas o título tinha de ser mesmo este.
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