terça-feira, 26 de outubro de 2010

Felicidade, razão e verdade

Ser feliz ou ter razão?
«Oito da noite, numa avenida movimentada. O casal já está atrasado para jantar em casa de uns amigos. O endereço é novo e ela consultou as indicações e um mapa antes de sair. Ele conduz o carro. Ela dá as orientações e pede para que vire na próxima rua à esquerda. Ele tem certeza de que é à direita. Discutem e, percebendo que além de atrasados, poderiam ficar mal-humorados, ela deixa que ele decida. Ele vira à direita e percebe, então, que estava errado. Embora com alguma dificuldade, admite que insistiu no caminho errado, enquanto faz inversão de marcha. Ela sorri e diz que não há problema de maior se chegarem uns minutos atrasados, mas ele ainda pergunta:
- se tinhas tanta certeza de que eu estava enganado, devias ter insistido mais...
E ela diz:
- entre ter razão e ser feliz, prefiro ser feliz! Estávamos à beira de uma discussão e se eu insistisse mais, teríamos estragado a noite!»
Moral da história: esta pequena história foi contada durante uma palestra sobre simplicidade no mundo do trabalho e foi usada cena para ilustrar a energia que gastamos apenas para demonstrar que temos razão, independentemente, de a ter ou não. Outra frase semelhante diz: "Nunca se justifique. Os amigos não precisam e os inimigos não acreditam".

Recebi esta história por email e a princípio até achei alguma piada. Não só por ser, talvez, verídica, por ser aplicável a N situações do dia-a-dia mas principalmente porque parecia fazer sentido. A questão que se coloca como consequência lógica - ou não, se calhar sou eu que sou mesmo esquisito - é que o mesmo se pode dizer de "ser-se feliz ou saber a verdade?"

- se alguém mentiu por nós, dará jeito saber?

- se houve a quem contámos um segredo em estrita confidência, com base na confiança e respeito mútuos que temos com e por essa pessoa e em nosso benefício o revelou... será importante termos a noção disso?

- se somos traídos pela(o) nossa(o) companheira(o) e ela(e) tem essa realidade completamente resolvida, tendo sido só um caso pontual e inteiramente justificável, será que é melhor sabermos?

- se terminámos a licenciatura com um 10 na última cadeira, daquelas que levou anos e vários exames para a dar como feita, só porque alguém intercedeu em nosso favor; será fulcral termos acesso a esse dado?

- se conseguimos aquele emprego de sonho, no qual seremos esforçados e competentes, estando decidida e unilateralmente motivados, principalmente porque um familiar ou amigo usou uma cunha, mesmo sabendo que seriamos incapazes de tolerar tal atitude; será decisivo termos consciência disso?

Desde que vi filmes como o What is The Matrix, Fight ClubAmerican Beauty, Vanilla Sky ou o V For Vendetta, entre outros, que me debruço sobre estas questões e a frase "ingorance is bliss" não me sai da cabeça! Para acrescentar a isto, ouvi em tempos uma expressão fantástica de um amigo meu que me trouxe ainda mais confusão: "a felicidade não é estúpida, a estupidez é que é feliz". Se a isto tudo acrescentarmos a realidade em que vivemos nos dias de hoje, a actualidade política, económica e social, o facto da nossa imagem alegadamente valer mais que o nosso interior, pelo menos à partida e na grande maioria dos casos, e de se dar prioridade à forma em detrimento do conteúdo, em que pé é que ficamos!?
Será possível e exequível atingirmos a tão desejada e necessária Paz de Espírito que norteia e baseia a Felicidade se, ainda que mantendo uma atitude positiva, tivermos acesso a tudo o que está por detrás da cortina, no fundo da toca do coelho e por detrás do espelho!? Existirá magia sem ilusão? Haverá sentido sem imaginação? E os nossos sonhos não serão, na sua maioria, inquietantes pesadelos!?
Não é fácil ser-se adulto, não é simples atingir-se o suposto e desejado grau de maturidade e não é de todo evidente e acessível o processo que nos leva a alcançar a resolução das coisas em nós mesmos.
Hoje não há respostas, dicas ou interpretações especulativas. Desta vez deixo tudo em aberto para a reflexão individual e o debate comum...

4 comentários:

E. Rosado disse...

Pior do que as verdades "escondidas" são as mentiras "com o rabo de fora". Mais cedo ou mais tarde acabam sempre por "sair da toca".

MunaS disse...

Eu, feliz ou infelizmente, sou sempre pela verdade, mesmo que ela nos custe ou magoe.

Parece-me que parte da vantagem de ter a verdade (naquelas coisas para as quais ela existe e é palpável) é que as nossas conjecturas (que o nosso cérebro faz constantemente) podem ser mais correctas; caso contrário estamos a extrapolar com bases em não verdades ou mentiras o que leva a muito mais erros.
Quantas vezes, na ficção, as "caricaturas" das situações de mentiras e verdades escondidas nos mostram os círculos viciosos que se criam em torno e que com frequência levam a actos de desespero completamente desnecessários se a realidade estivesse sido exposta.
Gosto de ser verdadeira por princípio, mas também porque vejo mais vantagens nesse ponto de vista do que no outro, o qual infelizmente vejo tão entranhado na vida corrente que por vezes até me aflige.
Com isto não quero dizer que seja obrigatório que todos sejamos um livro aberto, não é a mesma coisa.

Agora, com ou sem verdade, o que não podemos é perder a capacidade de nos alegrarmos com as coisas simples da vida. E também não podemos na busca incessante pela verdade que está out-there, seja política, religiosa ou outra, perdermo-nos daquela realidade mais terra-a-terra.

Eu diria talvez: sê profundo e verdadeiro contigo próprio e com aqueles que te são importantes, sê superficial, mas sem faltar à verdade, com os outros que passam na tua vida sem deixar marcas; procura a tua própria verdade em tudo o que te rodeia e aplica o que o mundo te vai ensinando com a convicção de que é aquilo que sentes que é melhor para ti e para todos, mas não queiras comprar nem vender verdades.

Lá estou eu com os meus testamentos e ainda por cima a escrever frases que parecem dum livro de auto-ajuda! blhaaarrrrc

Pedro Pinto disse...

Muna:
acho interessante tanta coisa em ti e continuas a surpreender-me ao fim destes anos todos (já fizeste as contas a quantos!? :))
apaguei o comentário porque achei que daria um bom post... (it's in the making)

NV disse...

A verdade tal como a mentira podem mudar o mundo... o meu, o teu o nosso, o vosso e o deles...para melhor e para pior. E isto sim é assustador!