Ser feliz ou ter razão?
«Oito da noite, numa avenida movimentada. O casal já está atrasado para jantar em casa de uns amigos. O endereço é novo e ela consultou as indicações e um mapa antes de sair. Ele conduz o carro. Ela dá as orientações e pede para que vire na próxima rua à esquerda. Ele tem certeza de que é à direita. Discutem e, percebendo que além de atrasados, poderiam ficar mal-humorados, ela deixa que ele decida. Ele vira à direita e percebe, então, que estava errado. Embora com alguma dificuldade, admite que insistiu no caminho errado, enquanto faz inversão de marcha. Ela sorri e diz que não há problema de maior se chegarem uns minutos atrasados, mas ele ainda pergunta:
- se tinhas tanta certeza de que eu estava enganado, devias ter insistido mais...
E ela diz:
- entre ter razão e ser feliz, prefiro ser feliz! Estávamos à beira de uma discussão e se eu insistisse mais, teríamos estragado a noite!»
Moral da história: esta pequena história foi contada durante uma palestra sobre simplicidade no mundo do trabalho e foi usada cena para ilustrar a energia que gastamos apenas para demonstrar que temos razão, independentemente, de a ter ou não. Outra frase semelhante diz: "Nunca se justifique. Os amigos não precisam e os inimigos não acreditam".
Recebi esta história por email e a princípio até achei alguma piada. Não só por ser, talvez, verídica, por ser aplicável a N situações do dia-a-dia mas principalmente porque parecia fazer sentido. A questão que se coloca como consequência lógica - ou não, se calhar sou eu que sou mesmo esquisito - é que o mesmo se pode dizer de "ser-se feliz ou saber a verdade?"
- se alguém mentiu por nós, dará jeito saber?
- se houve a quem contámos um segredo em estrita confidência, com base na confiança e respeito mútuos que temos com e por essa pessoa e em nosso benefício o revelou... será importante termos a noção disso?
- se somos traídos pela(o) nossa(o) companheira(o) e ela(e) tem essa realidade completamente resolvida, tendo sido só um caso pontual e inteiramente justificável, será que é melhor sabermos?
- se terminámos a licenciatura com um 10 na última cadeira, daquelas que levou anos e vários exames para a dar como feita, só porque alguém intercedeu em nosso favor; será fulcral termos acesso a esse dado?
- se conseguimos aquele emprego de sonho, no qual seremos esforçados e competentes, estando decidida e unilateralmente motivados, principalmente porque um familiar ou amigo usou uma cunha, mesmo sabendo que seriamos incapazes de tolerar tal atitude; será decisivo termos consciência disso?
Desde que vi filmes como o What is The Matrix, Fight Club, American Beauty, Vanilla Sky ou o V For Vendetta, entre outros, que me debruço sobre estas questões e a frase "ingorance is bliss" não me sai da cabeça! Para acrescentar a isto, ouvi em tempos uma expressão fantástica de um amigo meu que me trouxe ainda mais confusão: "a felicidade não é estúpida, a estupidez é que é feliz". Se a isto tudo acrescentarmos a realidade em que vivemos nos dias de hoje, a actualidade política, económica e social, o facto da nossa imagem alegadamente valer mais que o nosso interior, pelo menos à partida e na grande maioria dos casos, e de se dar prioridade à forma em detrimento do conteúdo, em que pé é que ficamos!?
Será possível e exequível atingirmos a tão desejada e necessária Paz de Espírito que norteia e baseia a Felicidade se, ainda que mantendo uma atitude positiva, tivermos acesso a tudo o que está por detrás da cortina, no fundo da toca do coelho e por detrás do espelho!? Existirá magia sem ilusão? Haverá sentido sem imaginação? E os nossos sonhos não serão, na sua maioria, inquietantes pesadelos!?
Não é fácil ser-se adulto, não é simples atingir-se o suposto e desejado grau de maturidade e não é de todo evidente e acessível o processo que nos leva a alcançar a resolução das coisas em nós mesmos.
Hoje não há respostas, dicas ou interpretações especulativas. Desta vez deixo tudo em aberto para a reflexão individual e o debate comum...
4 comentários:
Pior do que as verdades "escondidas" são as mentiras "com o rabo de fora". Mais cedo ou mais tarde acabam sempre por "sair da toca".
Eu, feliz ou infelizmente, sou sempre pela verdade, mesmo que ela nos custe ou magoe.
Parece-me que parte da vantagem de ter a verdade (naquelas coisas para as quais ela existe e é palpável) é que as nossas conjecturas (que o nosso cérebro faz constantemente) podem ser mais correctas; caso contrário estamos a extrapolar com bases em não verdades ou mentiras o que leva a muito mais erros.
Quantas vezes, na ficção, as "caricaturas" das situações de mentiras e verdades escondidas nos mostram os círculos viciosos que se criam em torno e que com frequência levam a actos de desespero completamente desnecessários se a realidade estivesse sido exposta.
Gosto de ser verdadeira por princípio, mas também porque vejo mais vantagens nesse ponto de vista do que no outro, o qual infelizmente vejo tão entranhado na vida corrente que por vezes até me aflige.
Com isto não quero dizer que seja obrigatório que todos sejamos um livro aberto, não é a mesma coisa.
Agora, com ou sem verdade, o que não podemos é perder a capacidade de nos alegrarmos com as coisas simples da vida. E também não podemos na busca incessante pela verdade que está out-there, seja política, religiosa ou outra, perdermo-nos daquela realidade mais terra-a-terra.
Eu diria talvez: sê profundo e verdadeiro contigo próprio e com aqueles que te são importantes, sê superficial, mas sem faltar à verdade, com os outros que passam na tua vida sem deixar marcas; procura a tua própria verdade em tudo o que te rodeia e aplica o que o mundo te vai ensinando com a convicção de que é aquilo que sentes que é melhor para ti e para todos, mas não queiras comprar nem vender verdades.
Lá estou eu com os meus testamentos e ainda por cima a escrever frases que parecem dum livro de auto-ajuda! blhaaarrrrc
Muna:
acho interessante tanta coisa em ti e continuas a surpreender-me ao fim destes anos todos (já fizeste as contas a quantos!? :))
apaguei o comentário porque achei que daria um bom post... (it's in the making)
A verdade tal como a mentira podem mudar o mundo... o meu, o teu o nosso, o vosso e o deles...para melhor e para pior. E isto sim é assustador!
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