sábado, 24 de julho de 2010

Tempo, saúde e perspectivas

Viemos num tempo estranho e num contexto em que evidentemente muito poucos gostam de si próprio. Uns sucumbem a ansiolíticos e andi-depressivos, outros exageram no álcool e no tabaco, outros ainda divertem-se desproporcionadamente com bebidas energéticas e todo o tipo de estimulantes para evitar caírem para o lado de cansaço, seja de cinzento durante o dia no trabalho ou de branco à noite numa pista de dança. Passa-se muito tempo sozinho mesmo quando há tanta gente à nossa volta. Ligamo-nos uns aos outros por redes virtuais e apostamos cada vez menos no contacto directo e pessoal. A comunicação não se faz senão por sinais de fumo quando a nossa irritabilidade entra em curto-circuito. Passa-se de dois beijinhos para apenas um, de um beijo plantado na face para algo tangencial incapaz de gerar emoção, trocam-se abraços por sms e telefone e nunca nos lembramos de os dar presencialmente a quem gostamos, ou não gostamos? Raramente conseguimos dez minutos seguidos de descanso sem ser frente a um ecran. Faz-se demasiado exercício físico fechado em cubículos com ar condicionado e há sem dúvida demasiada gente sem problemas de maior ou incapazes de aceitar o processo natural de envelhecimento a apostar em fazer spa's, cirurgias plásticas e a enveredar por todo o tipo de processos de rejuvenescimento e emagrecimento a qualquer custo. Já não há tempo para os velhos, que depositamos em lares penosamente à espera de morrer, ou para as crianças e jovens que se dedicam a crescer e não a amadurecer, sem qualquer tipo de orientação ética e de respeito por si, pelo outro ou pelo que os rodeia... desculpem, mas não faz senso!!
Há uma frase, que deve ter proveniência numa qualquer telenovela brasileira, com certeza, que faz todo o sentido quando chega o momento de 'avaliar' o que realmente se passa, se faz e se vive na sociedade portuguesa nos dias de hoje: "menos, menos!" ...eu diria muito menos!!! Algo se passa ao nível do que pensamos, sentimos e fazemos, que não nos deixa ter paz de espírito e, sem isso, torna-se verdadeiramente impossível sermos felizes individual ou colectivamente. Há que aproveitar melhor o tempo, dar valor ao que se tem e apreciar as coisas simples da vida ou acabamos entretidos, consumidos e desenquadrados.
Alguém amigo, lúcido e igualmente preocupado enviou-me este texto que agora partilho com vocês...


"A Saúde Mental dos Portugueses

transcrição do artigo do médico psiquiatra Pedro Afonso, publicado no Público, 2010-06-21

Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas perturbações durante a vida.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência, urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de alimentos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família. Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três anos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual, tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da miséria.

Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais.
E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente.

Pedro Afonso
Médico psiquiatra"

1 comentário:

Anónimo disse...

nop, o pop up ainda aparece