Tornarmo-nos adultos não significa deixarmo-nos vencer pelo comodismo, pelo conformismo e pelos hábitos. Podemos e devemos manter-nos em estado de alerta, sempre (auto)críticos e abertos a tudo o que possa vir, boas ou más experiências, tudo é bem vindo. Também faz parte da fase a deixarmos cair, ou pôr de lado, alguns sonhos e objectivos, e percebermos que não somos tão únicos ou especiais como pensávamos, que o mundo não gira só à nossa volta, que não vamos viver para eternamente, que a sorte não dura sempre, que as merdas acontecem com muita regularidade, que "a vida é o que nos acontece enquanto fazemos planos", que "não podemos ter sempre o que queremos", entre outros pensamentos, teorias, filosofias, frases e clichés, uns mais verdadeiros do que outros, porque lá está, não somos únicos mas também não somos todos iguais.
Estando preste a entrar na casa dos trinta, tenho tirado algum tempo para pensar nestas coisas e tenho reparado em pormenores muito interessantes. Até há dois ou três anos atrás fazia questão de mostrar a toda a gente que nunca me iria casar e não queria ter filhos, adorava chocar as pessoas com este tipo de afirmações e outras ainda mais cáusticas que entravam pelos meandros da política, da filosofia ou da religião. Típico comportamento de adolescente rebelde. E sim, era um adolescente rebelde, mas hoje já me considero o. Tem de ser, faz parte. Acreditem que não me conformei com isso, dei as boas vindas a este novo estádio da minha existência com absoluta satisfação e orgulho. De certa forma as grandes dúvidas ficaram para trás, agora debato-me questões de fundo que vão sendo respondidas com o tempo e com a experiência. Acima de tudo gosto do que vejo no espelho e daquilo que sinto quando faço as minhas introspecções, muito importante para termos a tão desejada estabilidade psicológica, mas há certas coisas típicas da fase a às quais ainda não me habituei. São incómodas e fazem-me uma certa comichão. Em criança fazemos amigos a todo o momento, bastava haver interesses em comum como um saco de berlindes, jogos de computador, ou haver alguém com uma mesa de ping-pong na garagem. Na adolescência era o desporto, as ideologias e as causas humanitárias, as listas para as associações de estudante, ou as jam's e guitarradas durante os intervalos ou no final das aulas. Agora em o é tudo mais complicado. É difícil fazer-se amigos porque as pessoas estão mais fechadas, cínicas ou apenas complicadas – não me considero complicado, apenas complexo. Há muita gente com feridas abertas, com problemas antigos que se arrastam por vezes há décadas, e qualquer coisinha despoleta discussões, invejas e ódios completamente desproporcionados. Por outro lado ainda mantemos os amigos de sempre, aqueles amigos do peito que teimam em resistir ao tempo, mas esses nem sempre estão connosco. Costumo dizer até, que os melhores amigos não são os que estão sempre connosco, mas sim os que estão lá quando é preciso. É verdade que o carácter das pessoas se revela nos momentos de crise e os amigos ajudam a apoiar, reparar e resolver o que nos vai acontecendo, quer ao nível de crises externas, quer internas. Os amigos, a par com a família, são o que há de mais importante nas nossas vidas. Já dizia o grande Sérgio Godinho que "coisa mais preciosa no mundo não há". Mas é neste preciso momento singular que eu me deparo com algumas das tais questões de fundo: como é que lidamos com a perda de um daqueles amigos? E quando acontece em pouco tempo, não interessa quanto pois é relativo, perdermos vários desses amigos? E quando um deles é aquela pessoa em quem mais confiávamos acima de tudo e todos. Aquela pessoa que um dia conquistámos e nos mostrou, com provas dadas durante mais de uma década, que a confiança é completamente à prova de tudo? É do mais fodido que há e põe tudo, ou apenas muito, em causa! São várias voltas sucessivas e em catadupa de 90, 180 e 360º que nos deixam completamente sem norte. Mas como no amor, ao contrário de certos filmes e peças shakespearianas, e mesmo quando mete amizade e amor à mistura, num último e derradeiro teste à nossa força essencial, ninguém morre de desgosto e tudo o que mexe com as nossas entranhas pode ser libertador. Numa primeira instância digere-se para depois se evacuar. É uma guerra interna, suja e sombria, que deixa baixas e apresenta danos colaterais, mas com jeitinho e preserverança acabamos por sair mais fortes dela. É mais uma batalha e "é só mais um dia mau..."
4 comentários:
Todos os dias nos deparamos com situações que podem colocar em causa as nossas convicções, crenças, ideais, os nossos sentimentos por terceiros etc. Com o passar dos anos sofremos um processo que alguem designou de evolução. Por vezes não é bem assim. Não podemos evoluir, crescer, passar para a fase seguinte quando ficam "momentos incompletos" na nossa vida. O processo não é simples, é duro, complicado e cheio de desagradáveis surpresas. Não somos perfeitos, mas exigimos a perfeição a quem nos é mais próximo. Somos ainda mais imperfeitos na exigência da perfeição dos outros.Parar, pensar, e viver um passo depois do outro. Às vezes não é necessário perdoar, apenas compreender.
abraço
Hum...vou pensar sobre isso um bocadinho! :)
Escreves mt bem*
Tania Gouveia
...gosto de pensar que penso bem, passo a redundância, mas por vezes as ilusões multiplicam-se! E se as acções, além das expontâneas e instintivas, dependem da reflexão, escusado será dizer que os disparates são muitas vezes recorrentes. Mas errar é humano, permanecer no erro é que é de néscios, já dizia o outro.
Escrever é coisa que se pode fazer com ponderação, pensar nem sempre ...contraditório, não!? ;)
Obrigado
Tudo acaba por acontecer por alguma razão, quer por gestos que foram pensados, ou não.
As vezes não podemos controlar tudo, nós pensamos sempre que sim, mas infelizmente não, e a vida é a prova dada que não controlamos nada, mas a vida controla-nos a toda a hora e a toda a hora somos postos à prova e cabe-nos a nós estar à altura desse grande desafio que é a VIDA. ;)
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