quarta-feira, 4 de junho de 2008

A Música

A música é uma coisa fantástica! Não há nada que se compare ao momento em que ouvimos aquele tema pela primeira vez na rádio e ficamos em pulgas por não sabermos quem é a banda que a toca, esperando ansiosamente por escutá-lo outra vez; ou o álbum pelo qual esperámos tanto tempo e deleitarmo-nos em casa a ouvi-lo de uma ponta a outra sem interrupções; ou aquele cd ao vivo do concerto a que assistimos uns meses antes e ficámos sem saber se voltaríamos a repetir a dose de entusiasmo daquela noite mágica. As experiências são várias e quase sempre únicas. Há quem se mova pelas letras, outros mais pelas melodias, ainda há os maluquinhos dos solos e os que gostam mais da teatralidade espectacular de um concerto do que propriamente do som. Por muito que se goste de ouvir e sentir, nem toda a gente sabe o que é fazer música. Escutar e criar são duas coisas bem diferentes e inclusivamente há quem diga que talvez seja impossível um músico ouvir e sentir a música como as outras pessoas o fazem, sem recorrer ao processo intuitivo e automático de “decompor” e analisar um tema quando o escuta. De facto, pensando bem, talvez haja um fundo de razão nesta questão. Quando escuto uma música, sou capaz de dissociar cada instrumento do todo, a melodia do ritmo, a estrutura da letra e a voz da parte instrumental. Mesmo que não queira, é inevitável que o faça, mas ainda assim consigo dar atenção ao todo. No entanto acredito que, não sendo da mesma perspectiva, talvez o resultado seja diferente. No que diz respeito à parte criativa, uns fazem-na a metro e outros de forma alternativa e mais ou menos artística, mas seja de que maneira for é algo de fantástico na criação, na execução ou ao nível da sua posterior audição. Além de tudo o que já descrevi da música como pura fruição, ainda há um mundo que está de alguma forma vedado a quem não toque um instrumento ou não cante. Neste ponto também há alguma discórdia quanto à diferença da pura execução, por exemplo alguém que mesmo sem ouvido e sensibilidade para a música possa aprender a tocar por pauta sem falhar, e a execução sensível de alguém que sinta a música no seu todo. Serão todos músicos ou haverá diferenças entre músicos e executantes? E os intérpretes onde ficam nessa escala? Os verdadeiros músicos, mais ou menos virtuosos ou mais ou menos diletantes, têm uma capacidade inata de intuir a música muito para além de uma pauta ou guia de acordes (tablaturas, etc.) e isso dá-lhes uma natural aptidão e competência para construir paisagens musicais que um mero executante, como todo o respeito que merece, nunca conseguirá, pelo menos sozinho. Se virmos a coisa do ponto de vista de uma orquestra, mesmo sendo todos os músicos que a compõem meros executantes, no geral o resultado pode ser fantástico. Há aqui um meio caminho (middle ground) difícil de definir. Um músico pode construir um tema todo do princípio ao fim – melodia, estrutura de acordes, ritmo, letra, arranjos, orquestrações – ou apenas dar o seu contributo com ideias, a sua sensibilidade e a forma de tocar. Senão, quem quereria pertencer a uma banda em que apenas um ou dois elementos fazem tudo? Como em tantas outras áreas, a música não se faz completamente sozinha por uma pessoa apenas. Mesmo que se pense em tudo ao pormenor, se grave em estúdio todos os instrumentos e todas as vozes, se faça a gravação, produção e masterização sem ajuda de ninguém, na altura de a apresentar ao vivo, que é onde a música mais faz sentido, por muito que soe bem e nos mova em suporte físico (cd), só se consegue fazer algo com a ajuda de outros músicos. Se houver apenas um músico que guie todos os outros executantes, a coisa não tem o mesmo significado sensível. Pode ter forma mas perde em conteúdo. Era exactamente aqui que eu queria chegar! Uma das melhores partes da música no seu todo é sem dúvida a apreciação, também há muito gozo no processo criativo, mas nada, mesmo nada, bate a parte da execução! Até porque quando se juntam vários músicos em vários instrumentos, quer seja numa Jam Session, num ensaio de banda ou gravação em estúdio, a energia que se cria naqueles momentos, por vezes vinda do nada, é simplesmente fantástica, quase indescritível. Só mesmo experimentando ou estando lá para assistir! Se criar a solo já é belíssimo, porque mexe com a nossa sensibilidade como se de uma potente tempestade tropical misturada com uma chuva de estrelas carregada e uma aurora boreal lindíssima se tratasse, criar em conjunto e no impulso de um instante é puramente extasiante. Para mim a parte criativa é uma coisa natural, saem-me letras, riffs, ritmos e melodias a qualquer hora do dia e noite tal como me aparecem as ideias para este blog, e há quem pergunte como o faço e ache estranho, mas não consigo explicar de outra forma que não o de ser tão natural como respirar, mas por muito gozo que me dê fazer e ouvir música sozinho, não há nada como contar com outras pessoas seja a que nível for.
Este texto começou por ter como base de referência uma ideia engraçada que traz algumas gargalhadas em qualquer ensaio ou Jam que se faça, e no final vou revelá-la, mas acabou por ser uma forma de mostrar o que eu acho da música e a forma como a sinto. Quero por fim, deixar um grande abraço aos músicos e amigos com quem já tive o privilégio e a honra de fazer e/ou tocar música, e mostrar que, embora esteja muito motivado a trabalhar quase em exclusivo no projecto Kazoo, provavelmente a banda que eu sempre quis montar, estou sempre (bem) disposto e disponível para outras paisagens musicais. Nada me dá mais prazer nesta vida do que a música, e como tal, gosto de a partilhar em todas as fases do processo (criação, maturação e execução).
Este post é dedicado aos músicos que me têm acompanhado nos últimos 16 anos, mesmo àqueles que acham que não têm o que é preciso. Correndo o risco de parecer convencido e arrogante, digo-vos que nunca me enganei a respeito da sensibilidade de ninguém e há hoje muita gente por aí que evoluiu e cresceu de forma fantástica porque eu fui chato o suficiente para lhes moer o juízo. Quando se tem um talento, seja ele qual for, não se pode ser egoísta e desperdiçá-lo ou guardá-lo só para si. A música, mesmo a que trazemos bem dentro de nós, não é só nossa, é de todos! Ainda estou à espera da revelação de uma pessoa que sempre esteve e estará na base da minha inspiração. Quando um dia aprenderes a sentir a música como eu a sinto, nunca mais vais querer voltar para trás e poderás estar mais próxima de ser feliz, acredita!
Agora a piadola:
Num ensaio ou jam, a coisa que mais faz rir o pessoal acontece mesmo antes de começar: a contagem! Nunca ninguém sabe se se entra ao 3, entre o 3 e o 4 ou ao 4. (private joke para músicos! lol)

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