domingo, 19 de março de 2006

Farinha Amparo vs Chocapic

O comentário do Zé Pikeno ao último post fez-me lembrar de um pormenor que é mais um indicador de que estamos a ficar velhos e descontextualizados. Alguns dos nossos amigos já são pais e mães, já houve um ou outro casamento, há casais a viverem juntos e a comprar casa, e o mais terrível de tudo é que se eu usar a expressão “deve ter-te saído a carta na Farinha Amparo” com um tipo de 20 anos que me ia batendo no carro porque não se lembrou de fazer a merda do pisca na rotunda, não serve absolutamente de nada e acabo por fazer figura de urso. Mas se trocar Farinha Amparo por Chocapic já todos percebem, mesmo os mais velhos. De facto, sinto-me muito orgulhoso dos meus tempos de criança e adolescente. Joguei e brinquei com e a tudo e mais alguma coisa, dentro e fora de casa, conheci praticamente todas os gaiatos e gaiatas que viviam no meu bairro, e não me estou a referir apenas a uma rua ou quarteirão, o bairro inteiro sim! Mascarávamo-nos de cowboys sem ter de pensar duas vezes e até chegávamos a saltar à corda e a jogar ao elástico com as gaiatas no intervalo das aulas. Se elas brincavam aos Pin&Pons nós escolhíamos o estrunfe de borracha ou o E.T. de plástico, se elas brincavam com a Barbie nós éramos o Ken, e se elas jogavam ao elástico de uma forma puramente lúdica, nós entrávamos com uma mentalidade competitiva, era tudo perfeitamente normal. Naquele tempo não havia stresses relativamente a questões de orientação sexual, aliás, nem pensávamos muito nisso, apenas queríamos tornar-nos conhecidos na escola o suficiente para nos aniversários não calharmos com a vassoura quando chegasse à hora do baile. Hoje em dia não reconheço os comportamentos das crianças e adolescentes. Ele é consolas, computadores, DVD’s, telemóveis, Pokemons, Morangos com Açúcar, explicações para todas as disciplinas e almoços de família no McDonalds… estará tudo louco!?!? Então e os bonecos (vulgo Legos e Playmobis), os jogos em grupo e os desportos de equipa com o mínimo de competição ou a um nível aceitável? Se os putos de hoje, aos 11 anos, já têm acesso a filmes pornográficos em DivX sacados da net, nunca vão saber o gozo que dava tentar achar revistas eróticas no quarto do(s) pai(s) ou mesmo roubar uma Playboy numa tabacaria enquanto um amigo distraia o vendedor a encher os bolsos com pastilhas Super-Gorila e outro a abrir os pacotes de Bolicao para tirar os cromos. Estes putos de hoje vão ser uma cambada de enteguidos e vai-lhes passar ao lado muito do que faz parte sentir e viver enquanto se cresce e se forma carácter. Na altura do Natal ou do Dia da Criança são horas e horas de intervalos publicitários com anúncios dirigidos às crianças. Os putos de hoje têm o que querem e fazem dos pais reféns, para obter tudo o que desejam. Quem trabalha numa loja ou numa grande superfície sabe do que estou a falar, chega a meter dó a forma como os putos tratam os pais. E estes desgraçados, porque passam pouco tempo ou nenhum tempo de qualidade com os gaiatos, deixam-se cair na esparrela. Mas são eles os culpados, os pais é que fomentam este espírito… quem é que governa presentemente, quem são os administradores das empresas hoje em dia, quem dirige as televisões e a sua programação nos dias de hoje? Se nós éramos apelidados de Geração Rasca, que nome dar a esta geração que se forma nos tempos que correm? Sem dúvida que não somos os culpados, mas temos uma responsabilidade moral de tentar mudar o status quo, uma vez que estamos numa posição privilegiada de observadores e em breve seremos nós a embalar o berço. A dita Geração Rasca poderá mostrar, num futuro muito próximo, que se funda em valores humanos, mais do que económicos e de índole consumista, e dar uma chapada de luva aos “nossos pais” que, não fracassando na nossa educação, o fizeram estrondosamente na avaliação e ideia que fizeram de nós há bem pouco tempo. A ver vamos…

2 comentários:

Anonymous disse...

Fico muito triste por te dar toda a razão... Infelizmente são assim os tempos que correm. Este facto deixa-me muito triste. As crianças não sabem brincar, não sabem jogos, não sabem conviver, não conhecem músicas infantis, etc,etc...
Estou muito preocupado com estas gerações mais recentes e o que me deixa mais indignado é que pouco se pode fazer para mudar...
Por exemplo: como professor tento sempre fazer TUDO para dar a conhecer as tradições, as brincadeiras, os jogos... mas é MUITO dificil fazer algo para mudar mentalidades que vêem completamente viciadas pelos pápás que tanto mimam os meninos em casa dando-lhes tudo mas ensinando-lhes muito pouco.
Todos têm tudo e muito poucos têm algo.

Um grande Abraço

Zé Pikeno

HopIsis disse...

Estou claramente de acordo como texto, no entanto, tive uma pequena experiência num ATL duma escola primária e pude verificar que no recreio os "gaiatos" brincam a sério, como nós bricávamos! o que achei de mais diferente foi a quantidade de goluseimas!

Por exemplo, vi que as miúdas não jogavam ao elástico.. um dia comprei um bocado e elas ficaram delirantes... e eu a pensar que não sabiam jogar, mas óbvio que sim! e como o Pinto escreveu, até alguns rapazes acabaram por se vir meter na bricadeira... embora eu ache que os rapazes, em geral, não têm muita paciência para aquilo... sentem a competitividade de forma diferente, a satisfação não é tão imediata como marcar um golo!
Do que eu vi, embora alguns rapazes fossem jogar "à bola" e algumas raparigas ficassem mais sossegadas, todos jogavam num dia ou noutro um tipo de jogo das escondidas (que estava sempre a arrebinchar pois havia sempre batota, porque as regras eram muito complicadas)...

Provavelemente os gaiatos urbanos não vão brincar na rua, porque de qualquer modo é muito perigoso, mas dependerá muito das zonas... e das idades... a liberdade que nós tinhamos na Évora da nossa juventude não se encontra num centro urbano como Lisboa.

Da minha experiência posso ainda acrescentar não considero que tenha sido prejudicial para mim crescer à frente da TV... tirando uma certa falta de somatognosia - noção do meu próprio corpo...
E aproveito para agradecer a alguns amigos pois graças a eles, a Sílvia e mais tarde a Kanalha, acho que pude ter a dose suficiente de exteriorização nas alturas mais importantes... já agora acrescento que fiquei muito contente por a Sílvia também passar a fazer parte da Kanalha e também por ela vir a alargar o círculo com um rebento em breve...