Hoje recebi um email de um amigo e companheiro nas lides da música, nomeadamente o baterista da banda que tenho agora, os Kazoo, e mesmo sem ter ainda respondido ou ter conversado com ele sobre este email, arrisco-me a colocá-lo online para vossa apreciação. Confesso que até este momento, talvez tenha mudado seriamente de opinião e postura depois de ter lido o texto, fiz mais parte do problema do que da solução. Sempre me predispus a tocar de graça na maioria dos sítios para onde me convidavam a tocar, fosse pelo convite em si, pelo local, pela exposição que teria, pelo incremento de experiência, pelo prazer de tocar para aquele público, etc., e nunca me apercebi que isso pudesse constituir mais um dente na roda da engrenagem. Se há coisa contra a qual eu me oponho ferozmente é a de fazer parte de uma engrenagem bem montada e oleada, o chamado sistema, e muitas vezes entramos nesse processo inconscientemente ou até voluntariamente sem o saber. Se há coisa que eu detesto mesmo é fazer parte do problema sem me aperceber disso, mas não há nada como manter a mente aberta, ser-se crítico, auto-crítico e estar-se sempre e oportunamente disposto a mudar. Seja para melhor ou para pior, mudar é sempre bom! Claro que se for para pior, mais facilmente se arrepia caminho, e para melhor muda-se sempre, já diz o povo.
E por falar em Kazoo, vamos dar um concerto no AtéJazz Café em Estremoz que marcará, com toda a naturalidade, o fim de um ciclo e o início de outro, em muitos aspectos que se irão dar a notar ao longo de um futuro próximo. Conto com a vossa presença e espero que gostem.
Fico à espera de comentários a este post…
“Pois...
Muito bem, algum dia havia de acontecer!!!!!
Andei alguns meses ou talvez mais de um ano a recusar tocar num clube de Lisboa, embora recebesse frequentemente telefonemas do dono e programador, no sentido de lá apresentar um grupo ao qual pertencia na época, isto porque todos os outros elementos insistiam bastante para que lá fossemos tocar.
Sempre respondi que não tocaria pelos cachets "da casa", apesar de todos os outros elementos quererem tocar lá pelo preço proposto pelo programador, preço esse que era, obviamente, o "da Casa". Isto porque eu achava que o referido grupo merecia um cachet um pouco mais alto. Um dia recebi um telefonema do tal senhor, em que o mesmo se resignava e se propunha pagar o não referido cachet, que eu achava ser o mínimo razoável.
Até sou capaz de tocar de borla (já o fiz muitas vezes) se for necessário e a causa for justa, aliás, tal como diz a Inês, que penso não ter ainda conhecido pessoalmente, o que eu cobro não é o gig, é o soundcheck, pois esse não dá gozo a ninguém! Tocar? Isso dá-me gozo, isso eu faria sempre de borla, se pudesse. Todavia, o facto de trabalhar numa coisa de que gosto não obriga a que o tenha de fazer de graça.
Acho que os clubes ou bares que apresentam Jazz ou qualquer outro tipo de musica deveriam ter várias tabelas para pagarem os cachets de acordo com a qualidade dos grupos que contratam. Para mim, faz todo o sentido que uma banda de alunos de uma escola de Jazz que ensaiou uns Standards para "matar" 1 gig não receba o mesmo cachet de um grupo consagrado.
Por outro lado, o facto dos bilhetes serem mais caros, para uma banda consagrada ajuda muito a "educar" o público. Se eu for comprar um Audi A6 tenho de pagar muito mais do que se resolver comprar um Fiat Cinquecento!!!! Porque é que na música a coisa tem de ser diferente?
Quanto ao resto, acho que a culpa é, maioritariamente, dos músicos, sim sr!
Sempre me provocou uma certa urticária a trivial converseta entre músicos em que às tantas se ouve a fatídica frase: - quanto é que "eles" pagam nesse clube?
Quanto é que "eles" pagam???!!!???
"Eles" só têm de pagar o que os músicos pedem e o que "eles" decidem ou não pagar! Se os músicos valem o que pedem, "eles" pagam, se não, boa tarde mes amis!
Muita gente que conheço tocou no famoso Splash, um clube do Porto, talvez o mais importante desta cidade, na década de 80. Recebi ao longo de vários anos, telefonemas do Carlos Araújo, sócio gerente e músico, a convidar-me para lá tocar com o meu grupo, ao que sempre respondi que sim sr, teria imenso prazer e o cachet seria de X, ao que a resposta era, invariavelmente que, todos os grupos que lá tocavam recebiam X menos Y, ao que a minha resposta era, invariavelmente, que por esse preço o meu grupo não tocaria lá! Nunca lá toquei oficialmente, sempre que ia ao Porto, passava lá, toquei em muitas jam sessions no Splash e eu e o Carlos Araújo continuamos a dar-nos bem, mas, nunca fizemos "negócio".
Não pretendo com isto dizer que sou melhor, igual ou pior mas, esta "guerra" é, para mim, muito antiga e há muito tempo que acho que cada um tem o seu preço e não devemos alinhar com as "tabelinhas" que os alguns tentam inventar, para nos "normalizarem".
O público português é tão inteligente como qualquer outro, o problema é que os agentes culturais portugueses não parecem ter vontade ou tempo para dar uma ajuda a educar o público.
Na verdade, isto é um puzzle em que, se as peças não encaixam, nunca iremos ver o "boneco" em todo o seu esplendor!
Num clube onde ninguém paga para entrar, num dia, pode ouvir-se um dos melhores músicos portugueses ou, quiçá, da Europa e, no dia seguinte, pelo mesmo preço, ou seja, zero, o mesmo público, assiste a um qualquer caramelo a tocar o trem das 11, com os acordes todos "despenteados"! Acreditem, não é ficção, eu já assisti a isto, em Lisboa e não foi há muito tempo! E o caramelo do "dia anterior" era um americano, de New York, bem conceituado! O do "trem das 11" não faço ideia quem fosse...
Como pode o público menos esclarecido ficar mais ou menos atento e interessado numa actuação realmente boa se o preço é exactamente o mesmo? Neste caso de quem é a culpa? Obviamente, dos dois, do programador do clube, porque não tenta valorizar o melhor que apresenta ao seu público e do músico de qualidade que não se fez pagar de acordo com o seu estatuto. Entre todo este elenco, o "actor" com menos culpas no cartório é o do "trem das 11"! É esse mesmo que tem usufruído do total desrespeito que tem havido neste tipo de situações, entre músicos de boa qualidade que tocam por qualquer preço e patrões de clubes que não valorizam a oferta de qualidade ao seu público. Eu até compreenderia perfeitamente se o patrão do clube pretendesse oferecer a custo zero, aos seus clientes, um concerto de qualidade, o que não consigo compreender é que despreze completamente o concerto em questão, apesar da imensa qualidade, só porque lhe saiu barato!!!!
Sei que é muito difícil organizar esta classe dos músicos e apelar à sua solidariedade (uma palavra que até me custa articular, nos momentos que vivemos!) mas, pensem bem!
Quanto é que um bom grupo de Jazz ganhava num bom clube de Lisboa ou Porto, nos anos 80? Qual era o impacto que causava uma actuação de um bom grupo de jazz? Qual era o envolvimento e tratamento reservados aos mesmo grupos, por parte das entidades ou clubes durante a organização desses eventos?
Pensem quanto custava 1 litro de gasolina, um jantar ou um carro de gama baixa.
Quanto é que um bom grupo de Jazz ganha agora num clube? Que impacto tem? Quanto custa 1 litro de gasolina, 1 jantar, 1 carro de gama baixa? Qual é o tratamento que recebe, por parte da organização?
Eu já pensei muito nisso ao longo dos últimos anos e não vejo a quem atribuir a maioria da culpa senão aos músicos, infelizmente. Acreditem que preferia mil vezes dizer que a culpa é da crise, dos donos dos bares, dos políticos, dos árabes, dos americanos, do ministério da cultura, da música pimba, da rádio, da televisão, do Santana Lopes, do Sócrates, do Ediberto Lima, do Herman, etc., mas, o que é um facto é que os músicos não são muito exigentes.
Há alguns anos, a televisão começou a deixar de pagar cachets aos artistas e músicos que participam em programas, uma "invenção" do Ediberto Lima, na SIC, com a qual todas as estações de televisão se solidarizaram, inclusivamente, as do estado. Toda a gente se solidarizou (convinha-lhes reduzirem os custos de produção), toda a gente menos os artistas e músicos, que alinharam no esquema, passando a participar gratuitamente.
Hoje, é prática comum, as televisões apresentam artistas e músicos a custo zero, pois os músicos lá vão, alegremente, trabalhar de borla, enquanto as televisões ocupam, também à custa destes, espaços de programação que custam balúrdios de dinheiro a toda a gente.
Todos ganham e todos pagam! Todos? Não, os músicos e artistas não ganham nada. O argumento utilizado, numa prática de esperteza saloia em que muito poucos, doutras actividades, alinham, é o de que os artistas e músicos se promovem quando se expõem na televisão. É um facto mas, esses momentos de televisão são pagos a preço de ouro pela publicidade. Quem recebe dividendos disso? Não são nem os artistas nem os músicos. E, acreditem que, quando esses espaços de publicidade são vendidos, os preços variam consoante a qualidade dos artistas que intervêm nos programas.
É mais fácil vender um pacote de publicidade num programa onde vai estar, por exemplo, o Rui Veloso, do que num programa onde vai ser entrevistado, por exemplo, o Ediberto Lima!!!!!!
Pois é, o que eu acho, no meio disto tudo, é que o mais fácil, no meio musical, é tocar ou cantar, o resto é que é muito mais complicado!!!!!!!
1 abraço e...
Organizem-se, façam-se cobrar pelo vosso justo valor...sem medo! Não há dinheiro? Então, não há palhaços! Se todos os "palhaços" se unirem, não vai haver circo! E lembrem-se...não há circo sem palhaços.
1 abraço deste vosso amigo e palhaço,
Nanã Sousa Dias”
3 comentários:
tou perfeitamente de acordo e, de facto é mesmo assim que funciona,não só a nivel de musicos, como a nível tecnico.... pois,os tecnicos, roadies, stage manager,etc. Em todo o lado se encontra um tecnico que trabalha por qualquer cachet descendo cada vez mais o patamar de remoneração minimamente aceitavel e dando cabo do nível se qualidade apresentado....lembem-se, ha de haver sempre alguem que peça menos que vocês, por isso unam-se e concluam um valor justo e condigno e façam finca pé quando não é assim, eles(agentes,productores e afim) que vão levar na anilha!!!
palavras sábias e de quem está bastante consciente e acordado para a realidade. apesar da mobilização necessária não ser fácil de atingir não é impossível. os músicos e artistas, tanto quanto sei, não têm qualquer tipo protecção ou defesa jurídica que imponha as condições justas para o desenvolvimento da actividade artística, nomeadamente a música. a sociedade artística é constantemente explorada no seu trabalho em favor dos tais clubes e salas de música ao vivo, "... em troca ganham visibilidade e divulgam as vossas músicas." o oportunismo e o aproveitamento presiste. mas cá está, ninguém obriga os músicos a tocar por um cachet X. a pica de tocar e dar concertos é aproveitada por quem disso faz negócio. na realidade a "culpa" é dos músicos que promovem a prostituição artística e os CHULOS agradecem. na criação de um tema cantado e musicado estão horas e horas de trabalho de criação e exprimentação até se chegar a um resultado concensualmente audível e considerado final.isso tem que ser pago em função da qualidade de execução global e individual num projecto, originalidade das músicas, sons utilizados, letra, vocalização, etc..., vamos ver os pontos de apreciação de um projecto num concurso de bandas, por aí existem critérios que permitem avaliar uma banda e seus intervenientes, o mesmo, através da auscultação de maquetes pode ser feito para seleccionar músicos para tocar nas ditas casas, existindo aí a possibilidade de poder tabelar caches. isto era tudo muito bonito se os donos das ditas casas não fossem uns broncos que se preocupam apenas com a facturação do seu estabelecimento, estando a anos de luz da realidade artística e musical. ou se educam os responsáveis pelas contratações (difícil) ou se gera um movimento de manifesto. há-de existir sempre uma banda de "putos" com a tesão do mijo que até tocam fixe. enfim ...
tou na luta, é necessário um(s) lider(s) com força para uma tamanha mobilização, se ele aparecer acredita que o seguirei (apesar de estar bastante inactivo).
bora lá "palhaços"
Blog fixe, abraço
Mavi
pois é, fazer-se pagar pelo valor que se tem é sempre um bom princípio, mas difícil de por em prática. estou completamente de acordo com os comentários, mas devo dizer que noutros meios musicais acho que as coisas funcionam duma forma um pouco diferente.
talvez o problema esteja mesmo na capacidade de quem faz as contratações saber distinguir o que é bom do que é mau. mas também no facto do próprio público, na maior parte das vezes, não fazer bem essa distinção, o que não incentiva aos contratadores a fazerem-na.
relativamente ao exemplo duma casa que tem concertos ao vivo à borla, acredito que o cachet do músico conceituado até seja superior ao cachet do "pimba", o público é que não fica a saber disso e não aprende a diferença. ainda pior se a casa está sempre cheia independentemente de quem (ou se alguém) lá vai tocar e por isso mesmo os donos não precisam nem sequer de se dar ao trabalho de tratar os músicos de forma diferente.
a questão de exigir mais, de se exigir aquilo que se acha justo, é o problema de haver outro que tome o lugar seja qual for o preço. como a competição não é entre quem tem mais qualidade, mas entre quem tem mais visibilidade/impacto, o jogo torna-se injusto.
aparentemente existe uma teoria económica que dita que o mercado só funciona bem quando é um mercado verdadeiro. penso que à luz dessa teoria e exactamente como foi dito, se as pessoas que vão aos concertos tivessem que pagar pela qualidade da banda, tudo deveria passar a funcionar como deve ser. as bandas seriam por sua vez contratadas com base na mesma permissa e isso faria as bandas esforçarem-se por serem melhores. se a banda for mesmo boa, as pessoas estão dispostas a pagar mais, caso contrário não. contudo nem sempre é fácil criar os círculos virtousos que fazem todos ficar a ganhar.
Boa sorte e bom trabalho.
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