quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Pedido de desculpas

Há dias revi na televisão um filme que marcou muito a minha adolescência, embora o tenha visto em criança. É um clássico que não passa despercebido a ninguém, e tinha eu os meus oito anitos quando literalmente obriguei o meu pai a ir comigo ao cinema, na altura, ver a última filmaça do Stallone, o Cobra. Como era puto não liguei à sua reacção e fiz trinta por uma linha até o convencer. Lá fomos ver o filme e escusado será dizer que gostei, e o meu pai aguentou-se como um senhor até ao final. Imagino a agonia que foi passar uma hora e meia a ver aquele filme, rodeado de gaiatos a grunhir, a atirar pipocas e a sorver coca-cola por palhinhas numa agitação digna de uma ópera de Wagner, mas não havia outra pessoa em quem eu confiasse tal tarefa, e por incrível que pareça, o filme era para menores de doze anos – alguém sofria de uma séria dependência do alcool na Comissão de Classificação de Espectáculos naquela altura (a julgar pelos títulos inventados nas traduções, essa pessoa ainda não se reformou). Até então, tinham sido muito poucos os filmes vistos em cinema e essa diminuta lista contava com o E.T. à cabeça, já estão, portanto, a ver o dramático que foi o salto de um filme para o outro em tão pouco tempo (1982–1986). Parecia ter um futuro tão promissor e cheio de esperança aos meus cinco anos e tinha de dar naquilo aos oito, mas hoje está tudo bem, e é exactamente por isso que eu escrevo este post tão pessoal. Pai, depois de ter lido a obra completa de Kafka e outras atrocidades que cometi sobre mim mesmo e a minha personalidade enquanto adolescente (I was young, I needed the money!), não te escrevo uma carta, mas um sincero e público pedido de desculpas. Não o devia ter feito, mas era apenas uma criança e sinto com muita convicção que a minha evolução pessoal e a caminhada rumo à maturidade se precipitaram precisamente depois de ter visto aquele filme. A minha inocência foi contra a parede e vi-a escorrer em sangue pelo meio de buracos de bala, cortes de faca (tinha aquela pega com picos, nunca mais esqueci) e reflexos do lazer apontador vermelho, mas hoje considero-me uma pessoa equilibrada e em harmonia, mesmo porque vi aquela porcaria naquele preciso momento. Valeu a pena o esforço, obrigado.

1 comentário:

Anonymous disse...

Desculpas aceites... embora não houvesse necessidade. Ao fim e ao cabo, pai é pai e, outros disparates maiores por que serei responsável à parte, acabo por ficar gratificado pela constatação de que ficou muito bem arrumado, no sítio certo, o resultado que eu, na altura e com o excesso de zelo que caracteriza os pais "maçaricos", augurava de devastador para o efeito mais desejado, com toda a força: de que ali nascesse uma personalidade não violenta e um carácter forte mas respeitador da vida humana (e das outras, bem entendido!). Estavamos, então, ambos errados... mas no final acertamos em cheio.
Abraço... e vamos mais ao cinema.